Entre Calor e Purpurinas: Um Pedacinho do Pré-Carnaval Carioca
News

Entre Calor e Purpurinas: Um Pedacinho do Pré-Carnaval Carioca

by Marta Pina

O Rio é sempre lindo, mas há algo de (ainda mais) mágico nesta época do ano. O calor aquece não só a pele, mas também o espírito; as purpurinas entrelaçam-se com o suor e a poeira das ruas, tornando-se símbolo de entrega e celebração. 

A nossa amiga e sempre talentosa Marta Pina, com o seu olhar único e sensível, leva-nos a percorrer um pedaço dessa história que antecede a maior folia do mundo — o carnaval carioca.

"Há poucas coisas que me dão tanto gozo como o de desenhar uma viagem. Planeio-a com antecedência: e-mails para lá - artigos para cá - até esgotar todas as possibilidades. Às vezes, basta fintar o primeiro olhar com que me cruzo e descartar o ímpeto. A dedicação dita a forma como a viagem poderá vir a ser mais, ou menos, convencional.


Adoro fotografar. Sou obstinada por planos fechados — no geral — procuro os detalhes e persigo a nostalgia:  instantaneamente encanto-me por um pescoço tisnado pelo sol, forrado a gotas de suor, que se agrupam e não deixam escapar as purpurinas mais inquietas. Os meus olhos - tendencialmente - desviam-se para o mesmo lado: o da estética.


Nasci numa família de artistas: poetas, pintores, arquitectos. Trabalho com design de jóias - um negócio de família - e desde miúda que na nossa mesa da sala de jantar se misturam copos, talheres, pedras preciosas e pincéis, e, ainda hoje, é comum ouvir-se: «não toquem nestas pedras; demorei horas a chegar até aqui — vão ser uns brincos lindos!», diz a minha mãe. As viagens, e a fotografia - para mim – são muito isto: se não lhes dedicarmos tempo, e formos pela primeira escolha — pela mais rápida ou óbvia — será seguramente mais expectável: o melhor ângulo ou a primeira ideia não são necessariamente aqueles que primeiro nos assomam.


O pré-carnaval no Rio de Janeiro foi uma surpresa: e das melhores! O bloco “Céu na Terra”, arrancou no sábado e ainda antes das 7h da manhã já o Largo dos Guimarães, em Santa Teresa, estava fervoroso. O clima – abrasador - era de devoção, de entrega total. Omnipresentes foram os leques, a cor, o glitter e as purpurinas. Ladeira abaixo - ladeira acima - vi respeito, vi sorrisos rasgados, vi amor e amizade, vi paixão e compaixão, mas não vi por lá pudor!


Criado por estudantes e músicos, o Cordão do Boitatá é uma referência em qualidade musical. Começou domingo às 8h na baixa da cidade. O calor não deu tréguas e o suor que nos foi imposto, exibimo-lo com vaidade na mesma proporção! Houve brahmas a estalar, picolés coloridos, chicletes de todos os sabores, músicos dedicados e enfeitiçados. A dispersão deu-se às 13h e da Rua da Assembleia seguimos para o bloco Fogo & Paixão, onde a cantora brega Gaby Amaranto fez as delícias dos mais apaixonados.


De resto, o Rio de Janeiro continua lindo… o chopp do Jobi ainda é servido em copos de tamanho exemplar. À livraria Argumento encontrei-a plácida, mesmo ao jeito dela. Ao Alexandre da barraca do Marcão, vimo-lo cabisbaixo, coisa rara naqueles dias. O pôr-do-sol na mureta da Urca traçou a mais bela silhueta do Cristo, e os barcos, ao largo da baía de Guanabara pareciam atracados em Cap D’Ail ali na fronteira com o Mónaco. Que charme esse bairro da Urca! Descer à Joatinga às sete da manhã é o mesmo que entrar num filme onde os cenógrafos foram todos dispensados – por não serem necessários. Há uma narrativa intrínseca naquela praia que só quem chega muito cedo pode ser abençoado. Os arquitectos modernistas continuam vivos naquela cidade carioca: a casa das Canoas e o Museu de Arte Contemporânea de Óscar Niemeyer são um exemplo. O Hotel Chez Georges e o Museu Chácara do Céu, ambos em Santa Teresa e projectados por Wladimir Alves de Souza foram das maiores surpresas nestes dias. Parabéns Rio por seres lindo de morrer."

 

Obrigada, Marta, por nos mostrares o brilho que vive nos detalhes, a beleza que dança entre suor e purpurinas, e a magia de olhar para o mundo com olhos de quem sente cada instante.